Publicada em 23/08/2024 às 11:00 - Atualizada em 06/11/2024 15:08
Essa é uma daquelas “coisas” que ficam escritas nas anotações e você sempre passa por ela, olha e alimenta uma palavra. Depois, em outro tempo olha novamente, vê que não ficou boa e tira a frase completa, volta a arquivar e assim vai ficando. Mas chega aquele momento em que se começa a perceber que já não há razão para aquilo estar ali, pois o mote dificilmente voltará na correspondência original do que poderia ter sido. A vida me reinventa.
Já passamos do meio do ano “novo” e anotado estava sobre os velhos. Parece que vinte anos de convivência religiosa não me ensinaram nada. Correr o risco de virar uma estátua de sal só por estar olhando para trás é demais para as aspirações de Fernando Pessoa, que correm livres também em mim: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”.
Mas, para o bem dos meus pecados, não olho para trás por sentir falta do que ficou. Minha ascendência em necessidade do novo e meu sol em inquietude fazem de mim refém da abnegação, filho do desprendimento e discente da desambição. Clarice sabe de tudo, é um “continuar sempre me inaugurando”. Olho mesmo pelos novos significados que neles foram dados no lugar das velhas convicções.
É como a força da vida. É aquela dificuldade de aceitar que o ensinamento biológico de que o ciclo básico da vida é nascer, crescer, reproduzir e morrer. Pensar que é possível medir essa força poderosa pelo tempo humano sempre me pareceu mesquinhez. É como chegar a um rio e dizer que aquelas águas se iniciam e terminam no meu campo de visão, quando na verdade já vem descendo cachoeiras e cascatas, rios — intermitentes e perenes, de planalto e de planície, de águas claras e de águas pretas — e depois continua passando por riachos, lagoas e lagunas e por fim desaguando na imensidão do mar. Ninguém será capaz de mensurar.
Dar linguagem às decisões é um luxo que sempre me permitirei. Também descartar do campo de apreciação imediata essa seleção de precário vocabulário é a própria perspectiva de seguir em frente.
Vou preferir sempre o que está por vir.