Sábado, 05 de Outubro de 2024

Solução de mobilidade em Bogotá, na Colômbia, BRT pode melhorar qualidade de vida em Maceió

Criado em Curitiba na década de 70, sistema de ônibus rápidos ganhou fama mundial ao mudar rotina de quem depende do transporte público na capital colombiana. Prefeitura de Maceió estuda sua implantação nas principais avenidas da cidade.


Por Cau Rodrigues, g1 AL — Colômbia - O jornalista viajou a convite da Fetralse
Publicada em 07/09/2022 às 16:50


Se BRT for implantado em Maceió, ônibus comuns vão dar lugar aos veículos articulados nas avenidas Durval de Góes e Fernandes Lima — Foto: Secom Maceió

Quem vive nas capitais brasileiras passa, em média, 21 dias do ano no trânsito, preso a grandes congestionamentos provocados pelo excesso de veículos motorizados de uso particular e pela falta de transporte público eficiente. A disputa entre ônibus e carros pelos mesmos espaços é um problema para toda a população.

“É muito difícil pegar ônibus de 6h50, de 7h, muito difícil. Passa o de 5h30, depois disso só vai passar o de 7h50. Aí a gente que trabalha, que precisa chegar no trabalho antes de 8h, não tem opção”, lamenta Suzi Freitas durante a espera de mais de uma hora em um ponto de ônibus em Maceió.

Em uma cidade que se desenvolveu com atenção voltada ao transporte particular, quem pode, acaba optando pelo carro para ter um pouco de conforto. Mas grandes cidades pelo mundo já perceberam a necessidade de repensar a mobilidade urbana e promoveram mudanças que resultaram em melhoria da qualidade de vida da população.

Com pouco mais de 7 milhões de habitantes, sete vezes mais que a população de Maceió, Bogotá, na Colômbia, encontrou uma maneira de impulsionar o uso do transporte público com o Transmilênio, o sistema de BRT (sigla em inglês para ônibus de trânsito rápido) que facilitou o deslocamento da população e reduziu os atrasos dos coletivos e os congestionamentos.

O g1 viajou a Bogotá a convite da Federação dos Transportes de Alagoas e Sergipe (Fetralse) para conhecer o modelo de transporte público que mudou a rotina da capital colombiana.

Avenidas de Bogotá, na Colômbia, ganharam vias exclusivas para estações e tráfego dos BRTs — Foto: Cau Rodrigues/g1

Avenidas de Bogotá, na Colômbia, ganharam vias exclusivas para estações e tráfego dos BRTs — Foto: Cau Rodrigues/g1

 

O eficiente modelo de transporte de Bogotá começou a ser implantado no início dos anos 2000. Embora tenha ficado conhecido pela sigla em inglês, o BRT nasceu no Brasil, na década de 70, com o então prefeito de Curitiba, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner (saiba mais nos stories ao final do texto). Mas foi na Colômbia, com a implantação do Transmilênio, que o sistema de ônibus rápidos ficou mundialmente famoso.

Bogotá se colocou à disposição do BRT, abrindo vias exclusivas de Norte a Sul para esse tipo de transporte. Atualmente, ônibus articulados e biarticulados percorrem mais de 80 km da cidade, levando cerca de 3 milhões de passageiros diariamente. Quem antes dependia dos ônibus comuns lembra o quanto a viagem poderia ser demorada.

“O BRT melhorou o tempo que eu gasto até o trabalho. Hoje eu consigo chegar bem mais rápido que antes”, afirma uma apressada Ana María enquanto entra no BRT para seguir viagem.

O engenheiro mecatrônico Leonard Tavares, brasileiro que vive há quase 3 anos na cidade, também destaca a rapidez com que consegue se deslocar pela capital colombiana. “Ando 12 km em 35 min, 40 min, é um tempo bem ok de se aguentar no transporte público”. Em Maceió, a mesma distância pode ser percorrida de ônibus em até 50 minutos.

 

Uma passagem, várias possibilidades

 

Cartão do BRT pode ser comprado na entrada das estações espalhadas pela cidade de Bogotá, na Colômbia — Foto: Cau Rodrigues/g1

Cartão do BRT pode ser comprado na entrada das estações espalhadas pela cidade de Bogotá, na Colômbia — Foto: Cau Rodrigues/g1

 

O cartão do BRT pode ser comprado na entrada das estações espalhadas pela cidade ao custo de 6 mil pesos colombianos, o equivalente a R$ 7, e cada passagem custa 2.600 pesos colombianos, cerca de R$ 3.

Para além da redução dos congestionamentos, o BRT ainda oferece a vantagem da integração. Com apenas uma passagem, o passageiro pode pegar quantos BRTs for necessário para chegar ao seu destino, descendo de um veículo e entrando em outro, desde que não saia das estações.

 

“Às vezes a gente tem a necessidade de fazer baldeação, fazer o percurso de um lado para outro pagando uma passagem só. Enquanto você não desce da estação, pode percorrer a cidade cortando tudo com uma passagem”, diz Leonard Tavares.

 

Facilidades que atraem cada vez mais passageiros aos BRTs, levando benefícios para o trânsito de toda a cidade, não somente para quem utiliza o transporte público.

“A prioridade ao transporte público coletivo gera essa facilidade na mobilidade urbana como um todo, inclusive para aqueles que utilizam o transporte particular. A gente percebe as pessoas [em Bogotá] priorizando o uso do transporte público coletivo pela sua agilidade”, afirma Raíssa Cruz, Superintendente Institucional da Fetralse.

Essa tendência observada pela Fetralse é chamada de indução de demanda. Segundo Jéssica Lima, professora do Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e doutora em transportes e gestão das infraestruturas urbanas, quanto mais você aumenta a oferta para um determinado meio de transporte, mais você induz a demanda para esse meio de transporte.

“Sempre que você investe pesadamente em melhorar o transporte público, você diminui o congestionamento porque as pessoas passam a utilizar mais o transporte público e se tornam menos dependentes exclusivamente do transporte particular. A classe média dominante tende a achar que não, que as pessoas nunca vão sair dos carros, mas isso não é verdade, tem até exemplos no próprio Brasil, em São Paulo, no Rio de Janeiro”, pondera a professora.

 

Após mais de 20 anos de operação em Bogotá, na Colômbia, BRT já fica lotado em muitos períodos além dos horários de pico, com muita gente viajando em pé — Foto: Cau Rodrigues/g1

Após mais de 20 anos de operação em Bogotá, na Colômbia, BRT já fica lotado em muitos períodos além dos horários de pico, com muita gente viajando em pé — Foto: Cau Rodrigues/g1

Mas até um sistema de transporte considerado sucesso em várias partes do mundo enfrenta seus problemas. O BRT já tem veículos lotados até fora dos horários de pico. É comum ver passageiros viajando em pé porque não sobram assentos disponíveis.

“Bogotá é uma megacidade e o BRT já está saturando, tanto que agora eles estão retornando para olhar melhor a possibilidade de construção de um sistema metroviário”, explica a professora Jéssica Lima.

Por enxergar o transporte público como fator essencial para a qualidade de vida da população, Bogotá já pôs em prática a renovação. As obras para a construção da primeira linha de metrô tiveram início em 2021, com previsão para começar a operar até 2030.

“Bogotá e Medellín são duas cidades colombianas cases de sucesso da mobilidade urbana, mas mais no passado que atualmente. Bogotá principalmente, porque investiu pesadamente no sistema de BRT, que é um sistema adequado para cidades do porte de Maceió, por exemplo, mas não é mais um sistema adequado para o porte de Bogotá”, avalia a professora ao comentar o novo alvo dos gestores da cidade, o metrô.

Veículos articulados e biarticulados permitem maior capacidade de passageiros do BRT em Bogotá, na Colômbia — Foto: Cau Rodrigues/g1

Veículos articulados e biarticulados permitem maior capacidade de passageiros do BRT em Bogotá, na Colômbia — Foto: Cau Rodrigues/g1

 

BRT pode se tornar realidade em Maceió

 

A espera por ônibus nos pontos e o longo tempo gasto com deslocamentos demonstram a necessidade de reorganizar o trânsito na capital alagoana. De acordo com a professora Jéssica Lima, é preciso pensar em novos tipos de transporte, mas com planejamento.

“Não adianta eu pegar um empréstimo e fazer um sistema muito caro que os meus usuários vão poder pagar, no modelo de financiamento atual do transporte, nem eu vou conseguir manter o subsídio adequado com a renda que a minha cidade dispõe. Então, nesse sentido, o BRT ou o VLT seriam medidas mais adequadas para a cidade de porte e características como Maceió”, pondera.

Porém, a mudança requer mais do que investimento financeiro, requer disposição política. “Todas as pessoas que fizeram até hoje grandes mudanças no sistema de mobilidade [pelo mundo] enfrentaram grandes dificuldades para se reeleger ou para se manter na vida pública. Depois elas são celebradas, mas quando elas fazem, isso tem um custo político muito alto e é por isso que as pessoas têm medo”, afirma a professora.

"É possível [implantar o BRT em Maceió], você só precisa ter coragem de enfrentar essa elite governante que se acha dona e proprietária de todo espaço da cidade. O espaço público é público, é de todos e deve ser usado por todos e não ocupado por uma minoria que possui meios para se locomover através do seu meio privado e motorizado", defende a doutora em transportes e gestão das infraestruturas urbanas, Jéssica Lima.

Inspirada pelos exemplos de sucesso do BRT nas grandes cidades pelo mundo, a atual gestão de Maceió encomendou um estudo sobre a viabilidade desse modelo de transporte. Está na mira da prefeitura a implantação do BRT com 22 estações em um trajeto de 15 km, a partir da BR-104, passando pela Av. Durval de Góes Monteiro até a Av. Fernandes Lima.

Assim como o BRT em Bogotá, que tem corredores exclusivos no meio das avenidas, o de Maceió também deve trafegar nas faixas da esquerda, com o mesmo modelo de pagamento diretamente nas estações, antes do embarque nos ônibus. Estuda-se ainda a possibilidade de integração com o transporte intermunicipal, possibilitando ao passageiro o pagamento de uma única passagem.

Todas essas mudanças, porém, ainda não têm data para acontecer. A previsão da prefeitura de Maceió é de que o projeto executivo seja entregue até abril de 2023, e somente a partir disso é que as intervenções poderão ser iniciadas para implantação do BRT. Uma corrida contra o tempo.

 

"Maceió teve um aumento exponencial da quantidade de carros, nos últimos 10 anos duplicou, e se continuar nessa proporção, daqui a pouco você não vai mais conseguir se deslocar dentro da cidade no modelo que é, então alguma coisa precisa ser feita, e rápido”, alerta a pesquisadora Jéssica Lima.

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