Sexta-Feira, 17 de Maio de 2024

A parábola das vinte virgens


Publicada em 29/12/2020 às 16:00 - Atualizada em 16/06/2021 23:12


Esperanca

Por Saulo Oliveira em Vivendo e cronicando

     Em algum dia da última semana acordei esperançoso e quis aproveitar a energia para escrever algo. Mas não é dia de escrever, pensei. Anotei o bizú da questão e me deixei sentir o dia. Aliás, naquele dia ninguém deveria fazer nada. Espiei a janela e não senti o vento, estava de folga; o sol estava tímido; o dia estava chuvoso; as árvores aqui deixaram que as folhas caíssem; ou seja, nem a natureza estava tão disposta, por que eu desafiaria aquela ordem procurando palavras e frases que se encaixassem ? Eu acho que o meteorologista era quem deveria determinar os feriados. Ele faria a previsão, diria os dias que a natureza estaria de folga e anunciaria em todos os jornais do país. Pronto! Nesses dias ninguém trabalharia. Naquele dia, por exemplo, dada a indisposição da natureza, deveria ser feriado. hoje o sol apareceu com toda a sua intensidade, portanto, todos deveriam trabalhar e cá estou obedecendo aos desígnios naturais.

     Por falar em esperança, o que acontece quando ela, a última que tinha ficado, também se vai ? A pressão e necessidade de acreditar em coisas palpáveis e passíveis de fazer sentido acaba limitando o otimismo, fazendo acreditar que o hoje embaçado é o retrato do amanhã, pois a limitação humana não permite que se tenha em mãos todas as possibilidades e por isso não prevemos o futuro. Justamente por não saber o que acontecerá é que podemos trabalhar o hoje na esperança de que o amanhã terá um aspecto totalmente diferente, eliminando, assim, o risco de não estar preparado para o novo.

     A Parábola das Dez Virgens, escrita no livro de Mateus, 25:1-13, diz que dez mulheres foram ao encontro de alguém especial. No caminho, à noite, a lâmpada de cinco delas se apagaram e não tinham como acender. Decidiram parar e esperar amanhecer para se reabastecerem e continuarem o caminho. A noite longa fez com que elas dormissem e, enquanto dormiam, aquele tão esperado veio, mas elas não viram. As outras cinco, no entanto, além de se produzirem em roupas, cabelos, peles, sapatos à ocasião e cheiro, também compraram combustível para suas lâmpadas. Ora, andariam à noite. Viram quando o esperado veio e com ele foram. A Bíblia diz dessas últimas as bem-aventuradas, dignas de sentimentos prazerosos. Caminhar no escuro é um ato de coragem que pode determinar o sucesso da empreitada, mas para isso não se pode esquecer de encontrar hoje o combustível, sob o risco de a tocha da vida se apagar e a caminhada ter sido em vão.

     Respondendo com o óbvio, a falta de esperança é a desistência. Mas, não se valer do hoje para se preparar para a caminhada noturna é uma falta de esperança velada, uma quase morte que não sentiu ainda o chamado interior da existência e que vive sob o disfarce da boa relação com o ambiente. É ir só por ir, estar só por estar, fazer só por fazer, ter só para atender as necessidades sociais, mas que não atendem aos propósitos da vida como um todo. É, também, uma desistência, uma desesperança. Para Luciano Façanha, Pós-Doutor em Filosofia e Professor da UFMA, “O desespero(de desesperança) é a má relação com a síntese, experiência mal sucedida dos termos quando o homem não se orienta ao poder que o acompanha” e “No tocante ao desespero, o homem percebe o grau de inautenticidade de sua condição existencial”.

     A relação estrita da esperança com a capacidade de escolha e decisão permite o seguinte: Suponhamos que havia vinte mulheres. Além das dez já citadas, outras cinco decidiram que não era aquilo que fazia seus olhos brilharem, não estava naquela caminhada os seus corações. Ficaram porque suas esperanças estavam naquilo que seus corações se propuseram a fazer e que era diferente do que as dez que foram pensavam. Outras cinco também ficaram, mas por ficar, não porque queriam ficar. Não se movimentar era mais cômodo e atendia à conveniência da falta de esperança. O que acontecer à essas últimas e as que foram, mas não se prepararam, jamais pode ser considerado mérito, pois foram porque outras foram ou ficaram porque outras ficaram, jamais se sentiram donas de seus próprios atos e ficaram à mercê do vácuo de outras movimentações.

     Para frente, a retrospectiva interior para descobrir qual caminho trilhar é essencial. Para mais à frente, fazer do trabalho do hoje o combustível para a esperança ou fazer da esperança o combustível para o trabalho do hoje é o que pode manter a chama que conduz para dias melhores acesa.

 

Um para frente iluminado!


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Sobre o autor
Saulo Oliveira
É quitundense por sorte, escreve crônicas por interesse no cotidiano e mantém em dia seu desinteresse pelo rotineiro. Toca violino, flerta com as artes e com o barulho das ondas noturnas do mar. É acadêmico de administração.
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