Formada em Pedagogia e Letras, a professora teve de ralar muito para alcançar os objetivos
Por Keila Bachot/AlaNorte NotÃcias
Publicada em 08/03/2016 às 20:26 - Atualizada em 31/03/2016 16:41
Neste Dia Internacional da Mulher, quem contará um pouco da sua história de vida é Iracema Félix de Araújo, 64. Ela é professora e proprietária da Escola de Educação Básica Padre José de Anchieta, localizada no centro de São Luís do Quitunde, Região Norte de Alagoas.
A educadora é formada em Pedagogia pelo Centro Universitário Cesmac e em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). É muito querida e admirada tanto por seus alunos e colegas de trabalho, quanto por todas as pessoas que mantiveram algum contato com ela ou até mesmo pelo simples fato de conhecerem um pouco da sua trajetória de vida.
Filha de Juvêncio Félix de Araújo e Jacira Félix de Araújo, ela, e os dez irmãos, foram criados no município de Flexeiras. Iracema é a mais velha das filhas mulheres e veio para São Luís do Quitunde em 1977, onde mora até hoje.
Iracema Félix faz parte de um grupo de mulheres guerreiras que enriquecem nossa cultura alagoana. Intelectual e esforçada, ela sabe bem que a educação é um dos pilares que mantêm a sociedade. Por isso, dedicou toda a vida à educação de várias gerações de alunos e alunas residentes em alagoas, principalmente, na Região Norte do estado.
Confira abaixo a conversa que ela teve com o AlaNorte Notícias:
ANN: Iracema, onde a senhora nasceu? Conte-nos um pouco da sua juventude.
IF: Olhe, na verdade, o local de nascimento não é o local que eu nasci, porque na época em que papai registrou a gente, nós estávamos em outra cidade e ele registrou como se tivéssemos nascido em Flexeiras. Não lembro muito da minha juventude, algumas coisas eu lembro. Sei que fomos registrados depois de grandes, hoje é que as pessoas nascem e já são registradas, antigamente as coisas eram mais difíceis. Eu sou da época da dificuldade mesmo. Meus irmãos e eu fomos criados no município de Flexeiras, estou aqui em São Luís há trinta anos, desde 1977.
ANN: A senhora começou a trabalhar cedo?
IF: Eu trabalhava desde criança, fiz muitos serviços que ninguém quer fazer hoje, até porque existem muitos aparatos né?! As crianças hoje têm aquele amparo de não poder trabalhar, mas podem fazer tantas coisas que não deviam. Elas deviam ser protegidas de muitas coisas e não são, porque, hoje, se os pais colocarem os filhos para trabalhar, eles são penalizados, então eles (os filhos) ficam na rua a mercê de ‘enes’ coisas.
A mercê de serem aliciados por pessoas que são usuários de drogas. De repente eles estão envolvidos também. Por que não há uma proteção contra isso? É preciso ter um trabalho de conscientização muito amplo e vai demorar, talvez vocês jovens vejam, mas a gente não. Agora não se deve perder a esperança de mudança, porque como está, a situação é amedrontadora. Você pode sair e não ter certeza se volta, você não tem segurança. Infelizmente a gente vive em um mundo assim. Eu digo muito aos meus alunos que somos vítimas de nós mesmos.
ANN: Como era a sua rotina de estudo? Seus pais lhe incentivavam?
IF: Sempre trabalhei e estudei. Mamãe era analfabeta mesmo, nem o nome ela assinava. Ela não teve a oportunidade de estudar e papai já assinava o nome e presava muito pelo estudo, ele sempre mostrava que tínhamos que estudar, mesmo sem condição ele estimulava.
ANN: Na escola, a senhora sempre foi uma boa aluna?
IF: Boa aluna de comportamento, sim. De aprendizagem, não. Fui muito esforçada, nunca me considerei uma aluna excelente. Nem todo mundo tem aquela facilidade de aprender. Quando eu vejo os meninos nervosos para apresentar algum trabalho, eu entendo porque, na verdade, as vezes eu nem conseguia. A dificuldade era grande, tinha vergonha, nervosismo. Hoje em dia, eles são mais desinibidos, mas na hora do vamos ver, sempre tem o nervosismo.
Tudo o que eu conquistei foi por muito esforço. Agora, de comportamento eu sempre fiquei em primeiro lugar. Eu tive professores, já depois de formada, na pós graduação, que tinham idade de serem meus filhos, mas eu sempre considerei o termo "senhor". Hoje, esses meninos do tamanho do ‘trapo’, os meus alunos mesmo, me tratam de "você", mas eu não me incomodo, não. Eu acho que o respeito não está no "senhor e senhora", mas a gente nota a ousadia deles, porque eles sabem que não tenho a idade deles, e às vezes as pessoas não respeitam.
Há três semanas, eu passei um texto de uma grande escritora chamada Lya Luft para os meninos do nono ano. Ela critica justamente essa troca de papéis, onde quem manda são os filhos. Eu sempre gostei de trabalhar textos que têm uma história de vida e que mostra que o momento que nós estamos não é o mais certo. As pessoas distorceram muito a questão educar, e se hoje eu fosse jovem eu não sei se seria professora, mas eu gosto de ser professora, sempre tive em mente seguir essa profissão.
Iracema Félix de Araújo. (Foto: KeilaBachot/AlaNorte Notícias)
ANN: A senhora imaginava que chegaria a ter sua própria escola? Como foi chegar até o que tem hoje?
IF: Não, porque a minha vida sempre foi muito difícil e pra chegar até aqui Deus sabe como foi luta. Eu sempre digo que eu atravessei o Jordão nos braços de Cristo, porque chegar aonde eu cheguei não foi fácil, não. Eu estudei na Ufal. Saía daqui (São Luís do Quitunde) de 12h, pagando transporte, e isso foi muito difícil. Tive uma pessoa que me ajudou muito em termos de horário, pois eu trabalhava na Usina e essa pessoa, que já se foi, às vezes me dava carona e sempre me incentivou quando eu estava na faculdade.
Eu estudava à tarde e só tinha transporte da prefeitura à noite, por isso eu voltava pra casa de ônibus, lotação, chegava em São Luís por volta de oito da noite. Quando me formei em Letras pela Ufal, fui cursar Pedagogia no Cesmac à noite, aí eu trabalhava o dia todo, e à noite eu estudava. Minha vida foi assim, sempre corrida, não teve nada fácil. As facilidades que eu tive, eu acho que foi determinação de Deus.
Meus irmãos e eu sempre fomos unidos e de alguma forma sempre procuramos ajudar uns aos outros, e hoje todo mundo está com sua vida feita. Tive várias dificuldades, mas uma muito difícil foi me formar, pelo contexto social, mas como eu creio em Deus, acho que foi Ele mesmo que me trouxe até aqui. Eu estudava à luz de candeeiro, estudei sozinha, antigamente as coisas eram mais grosseiras. Hoje, você tem muita informação e pouco conhecimento, porque já se encontram as coisas prontas e não se dá muita importância a buscar.
ANN: Conte um pouco da sua jornada como professora e dona de sua própria escola.
IF: Quando eu vim pra São Luís do Quitunde eu já estava formada, eu tinha o Magistério, depois, fiz faculdade. Eu trabalhei nove anos como professora, depois me colocaram como diretora, em seguida fiz o concurso do Estado, passei e fui trabalhar na Escola Estadual daqui. Com isso, entreguei meu serviço na Usina e já sou aposentada pelo Estado, averbei o tempo que trabalhei na Usina e os sete anos que trabalhei em uma escola da cidade de Messias.
Este ano completam vinte e oito anos que tenho o Colégio Anchieta. Esta escola era de uma mulher que trabalhava no Banco do Brasil, ela começou bem pequena e com uma metodologia bem moderna. Quando a antiga dona estava pra ir embora, ela me ofereceu a escola, meu irmão me ajudou e consegui comprá-la. Aos poucos fomos engatinhando, tínhamos vinte alunos, meu pai até dizia ‘Feche isso, minha filha’, porque ele dizia que eu tirava de um canto pra colocar no outro, pois eu trabalhava no Estado quando comecei aqui, mas continuamos e graças a Deus deu certo.
Meu pai acompanhou o crescimento, mas como ele faleceu há 14 anos, muita coisa ele não viu, mas o avanço ele chegou a ver. No começo, era "Escolinha" e até hoje algumas pessoas chamam, a "Escolinha da Iracema". O nome "Padre José de Anchieta" veio da primeira proprietária, e eu mantive. Ela me disse que a única pessoa aqui em São Luís em quem confiava deixar a escola era eu, pois ela tinha um amor muito grande por esta escola e tudo deu certo.
A gente só chega até onde Deus permite e aquilo que é pra você, ninguém tira. Temos que fazer nossa parte, eu digo sempre aos meus alunos que devemos sonhar em chegar lá no topo, porque pelo menos no meio, a gente chega.
Escola de Educação Básica Padre José de Anchieta, em São Luís do Quitunde, AL. (Foto: KeilaBachot/AlaNorte Notícias)